Bitcoin não tem atributos para ser usado como dinheiro

Passada a euforia inicial com as criptomoedas, que têm o bitcoin como maior expoente, o Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês) resolveu analisar esses ativos e concluiu que eles não podem ser usados como dinheiro, já que não possuem atributos fundamentais, como a confiança no seu valor e a capacidade do volume em circulação crescer na mesma proporção da demanda pelas transações. Já a tecnologia subjacente das criptomoedas, o “blockchain”, tem potencial promissor, mas seu uso é limitado.
O BIS aponta que, menos de dez anos após a sua criação, as criptomoedas saíram da obscuridade para atrair o interesse de empresas e consumidores, além de bancos centrais e outras autoridades. Elas ganharam atenção porque prometem substituir a confiança em antigas instituições, como bancos comerciais e bancos centrais, pela confiança em um novo sistema totalmente descentralizado, baseado na chamada tecnologia de registro distribuído (DLT).

O estudo mostra que a essência de um “bom dinheiro” sempre foi a confiança na estabilidade do seu valor. Para o dinheiro cumprir seu
principal papel – agir como um instrumento de coordenação para facilitar transações – ele precisa ter uma relação de escala eficiente
com a economia e ser fornecido de maneira elástica, para lidar com a demanda flutuante.
No caso das criptomoedas, diz o BIS, a confiança pode desaparecer a qualquer momento, em função da fragilidade do consenso
descentralizado por meio do qual as transações são registradas. Além disso, mesmo se a confiança puder ser mantida, a tecnologia das
criptomoedas tem uma eficiência ruim e demanda muito uso de energia elétrica. “No geral, a tecnologia descentralizada das
criptomoedas, embora sofisticada, é um fraco substituto para o anteparo institucional sólido do dinheiro [tradicional]”, afirma o
estudo.

Ainda assim a tecnologia DLT pode ter outras aplicações promissoras, como na simplificação de processos administrativos na liquidação de transações financeiras. Seu uso, porém, é limitado por questões estruturais. No caso do blockchain do bitcoin, por exemplo, essa “corrente de informações” ocupa hoje 170 gigabites de memória, e cresce a um ritmo de 50 gigabites por ano. Caso fosse usado como um amplo sistema de pagamentos no varejo de um país como os EUA, por exemplo, ele atingiria em pouco tempo a magnitude de um terabite. “Os volumes de comunicações associados a isso poderiam derrubar a internet, com milhões de usuários trocando arquivos da ordem de magnitude de um terabite”, explica o BIS.

Atualmente, o bitcoin processa um volume de apenas 3,3 transações por segundo, enquanto a Visa, por exemplo, processa 3.526 transações por segundo. Isso faz com que, em momentos de grande tráfego, muitas operações com bitcoin fiquem em uma “fila” esperando sua vez de serem processadas. Essa situação gera problemas para os usuários e pode abrir espaço para fraudes. “Assim, quanto mais gente usa uma criptomoeda, mais trabalhoso um pagamento se torna. Isso renega uma propriedade essencial do dinheiro: que quanto mais gente usa, mais forte o incentivo para usá-lo”.
O BIS aponta ainda que as criptomoedas são extremamente voláteis e a instabilidade inerente provavelmente não será resolvida por protocolos melhores e engenharia financeira.
Um fator que também contribui para essa volatilidade é a velocidade de criação de novas criptomoedas. Segundo dados da CoinLib, já existem mais de 4 mil criptomoedas em circulação, mas o BIS diz que é impossível fazer uma estimativa confiável.
No caso dos possíveis usos do blockchain, ele pode ter aplicações promissoras em outros campos além das criptomoedas, especialmente em serviços de pagamentos transfronteiriços de baixo volume. O estudo do BIS cita como exemplo uma iniciativa do Programa Alimentar Mundial da ONU, para processar pagamentos para comprar comida para refugiados sírios na Jordânia. Após um aprimoramento no protocolo do ethereum, o uso da tecnologia permitiu redução de custo de quase 98% na comparação com alternativas bancárias.
Segundo o BIS, sistemas de criptopagamentos podem ser importantes para países que têm uma parcela significativa da população morando no exterior e enviando dinheiro de volta para parentes em sua terra natal. Além disso, poderiam baratear o financiamento a operações de comércio externo, que no modelo atual são muito caras e burocráticas.

Via Valor On Line

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